sexta-feira, 15 de novembro de 2013

DEPUTADO


«Sim, talvez um dia, com rasteiras intrigas e sabujices a um chefe e à senhora do chefe, e promessas e risos através de redacções, e algum discurso esbraseadamente berrado - lograsse ser ministro. E então? Seria ainda a tipóia pela Calçada de S. Bento, com o correio atrás na pileca branca, e a farda mal feita, nas tardes de assinatura, e os recurvados sorrisos de amanuenses pelos escuros corredores da Secretaria, e a lama escorrendo sobre ele de cada gazeta da oposição... Ah! que peca, desinteressante vida, em comparação de outras cheias e soberbas vidas, que tão magnificamente palpitavam sob o tremeluzir dessas mesmas estrelas! Enquanto ele se encolhia no seu paletó, deputado por Vila Clara, e no triunfo dessa miséria - Pensadores completavam a explicação do Universo; Artistas realizavam obras de beleza eterna; Reformadores aperfeiçoavam a harmonia social; Santos melhoravam santamente as almas; Fisiologistas diminuíam o velho sofrer humano; Inventores alargavam a riqueza das raças; Aventureiros magníficos arrancavam mundos de sua esterilidade e mudez... Ah! esses eram os verdadeiramente homens, os que viviam deliciosas plenitudes de vida, modelando com as suas mãos incansadas formas sempre mais belas ou mais justas da humanidade. Quem fora como eles, que são os sobre-humanos! E tal acção tão suprema requeria o Génio, o dom que, como a antiga chama, desce de Deus sobre um eleito? Não! Apenas o claro entendimento das realidades humanas e depois o forte querer.»
(A Ilustre Casa de Ramires, p. 442, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1999, ed. de Elena Losada Soler)