sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Saudades da Terra

Saudades da Terra

«De mim, que quer que lhe diga? Estou aborrecido, doente e estúpido. As famílias com quem convivi aqui, no Inverno, e que eram de Nova Iorque, voltaram para Nova Iorque; os livros, não os abri desde que deixei Portugal; a saúde, o Verão abrasador e implacável está-ma perturbando. Estou tão só que a minha conversação ordinária é com o meu criado; estou tão imbecil que leio Paulo de Kock! (È a verdade exacta).
Por isso, amigo, não creia que eu deva julgar-me feliz por me achar longe da infecção do Chiado. Ai! como Madame de Staël, eu tenho saudades do enxurro do Rossio. - Você não compreende decerto este sentimento, porque nunca esteve exilado. O exílio importa a glorificação da pátria. Estar longe é um grande telescópio para as virtudes da terra onde se vestiu a primeira camisa. Assim, eu, de Portugal, esqueci o mau - e constantemente penso nas belas estradas do Minho, nas aldeolas brancas e frias - e frias! - no bom vinho verde que eleva a alma, nos castanheiros cheios de pássaros, que se curvam e roçam por cima do alpendre do ferrador...
Estou ridículo? melhor! Ser ridículo é não se parecer com os insípidos.»
Carta endereçada de Havana a Ramalho Ortigão, 1873. (Ilustração de Mário Costa)