domingo, 2 de junho de 2013

Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco - Realismo e Idealismo




Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro

«... cita V. Ex.ª um período da minha carta a Bernardo Pindela nos Azulejos, em que eu alegremente me rio dos discípulos do Romanticismo que, depois de clamarem contra certos escritores com realistas e chafurdadores de lodo, apenas imaginam que o Público só esse lodo apetece para seu consumo intelectual se apressam a escrever na capa dos seus livros - romance realista - para que o Público, aliciado pelo rótulo, os compre também a eles e os leia também a eles... E V. Ex.ª, meu caro confrade, acrescenta com a mais consciente certeza - "Ora isto é comigo!" 
Suponha que um dia, numa novela, V. Ex.ª descreve, com o seu vernáculo e torneado relevo, certo animal de longas orelhas felpudas, de rabo tosco, de anca surrada pela albarda, que orneia e que abunda em Cacilhas... E suponha ainda que, ao ler essa colorida página, eu exclamo, apalpando-me ansiosamente por todo o corpo: "Grandes orelhas, rabo tosco, anca pelada... É comigo!" Que diria V. Ex.ª, meu prezado confrade?
V. Ex.ª balbuciaria aturdido: - "Eu não sei, eu vivo longe... Se as suas orelhas são assim longas, e se o albardão o despelou, há realmente concordância... Mas na verdade creia que, mencionando esse animal venerável, não me raiou no ânimo a mais ténue, remota intenção..." Assim, embaraçado e surpreso, diria V. Ex.ª. E assim eu digo. V. Ex.ª deve conhecer melhor que eu, que sou distraído e vivo longe, as capas dos seus livros...»
(Carta de Eça de Queirós a Camilo Castelo Branco, nunca enviada; publicada por Ana Teresa Peixinho em Cartas Públicas, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2009)

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