«Ora aqui tens, meu caro concidadão: supõe que tu queres ter na tua sala a imagem de Napoleão I passando os Alpes (estas fantasias são-te permitidas a parede é tua, e podes cobri-la de escarros ou
de figuras imperiais são cousas que ficam com a tua consciência e com o Deus
severo que te há-de julgar um dia). Que
fazes tu? Chamas dois pintores: um que é
idealista e que vem com a sua grenha, o seu casaco de veludo e o seu chapéu
de aba larga, e outro que é Realista, e que vem, como tu, de chapéu alto, com a
sua caixa de tintas debaixo do braço.
Dás-lhes o teu assunto e vais aos teus negócios.
E
aqui está o que se passa na tua ausência sobre a tua parede:
O
pintor idealista arregaça as mangas e brocha-te imediatamente este quadro: um píncaro de montanha; sobre este píncaro um cavalo com as proporções heróicas do cavalo de Fidias, empinado; sobre esse cavalo premindo-lhe as ilhargas,
Napoleão, de braços e pernas nuas, como um César Romano, com uma coroa de
loiros na cabeça. Em volta, nuvens; em
baixo, a assinatura.
Dir-me-hão:
é falso! – Como, falso? Este quadro foi,
creio que é ainda, uma das jóias do museu do Luxemburgo.
Durante
esse tempo, o pintor realista, tendo lido a historia, consultado as cronicas
do tempo, estudado as paisagens dos Alpes, os uniformes da época etc., deixou
na tua parede o seguinte quadro: sob um céu triste, um caminho escabroso de
serra; por ele resfolegando e retesando os músculos sobe uma mula; sobre a
mula, Bonaparte, abafado em peles com um barrete de lontra e óculos azuis por
causa de reverberação da neve, viaja, doente e derreado...
Qual destes quadros escolhes tu, caro concidadão? O primeiro, que te inventou a
historia ou o segundo, que ta pintou? O idealista deu-te uma falsificação,
o naturalista, uma verificação.
Toda a diferença entre o Idealismo e o Naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica.» (em «Idealismo e Realismo», 1879)
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